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sábado, 23 de fevereiro de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O AVÔ JOAQUIM PEREIRA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O AVÔ JOAQUIM PEREIRA

 
ANTÔNIO DE SOUSA COSTA
 
 

 
 

 
Quando João Pereira, vulgo Barba de Argolão, morreu, a Fazenda foi dividida entre os filhos. Meu avô Joaquim, sendo o mais velho dos irmãos, ficou com a Sede da fazenda, porque já morava perto. Os outros irmãos, que já eram todos casados, tinham as suas residências mais longe. Quando eu entendi-me por gente, ainda conheci a minha avó-bis, que morava com um filho, Sebastião Pereira. Sebastião Pereira era casado com Maria Luisa. Tio Sebastião Pereira possuía grande criação de carneiros e, todos os anos, quando chegava o Verão, ele tosquiava os carneiros, tirava a lã, e a tia Maria fazia cobertores de lã de carneiro, e fazia, também, de algodão; fazia até roupa de vestir em casa. Naquela época, só se vestia roupa de algodão em casa ou no trabalho pesado; para passear, usava-se roupa de seda, para as mulheres e, para os homens, roupa de tecido de casimira inglesa (tecido da Caxemira), para os ternos, ou então linho de boa qualidade. Tio Bastião Pereira, como era chamado por todos nós, e tia Maria Luisa viviam muito felizes com seus oito filhos, morando perto, todos muito reunidos, e, todos os dias, iam à casa dos pais, para pedir a bênção aos pais, rezar ladainha, terço, juntamente com a avó, que era a minha avó-bis, já velhinha quando a conheci. Minha avó-bis, que era chamada de vovó Toninha, morreu aos noventa anos, sofreu o mal da velhice por vários dias; todos os filhos, netos e bisnetos iam fazer quarto a ela, durante a noite. Eu, nessa época, era bem menino, mas recordo-me o que meus pais e meus tios comentavam sobre ela. Eles falavam, até em espécie de uma brincadeira: “– A Vovó Toninha não quer morrer! Não podendo nem virar na cama, e sempre rezando, pedindo a Deus vida”. Vovó Toninha rezava assim: “– Pela Vossa Divina Luz, me conservai, me ajudai!”.

         

Os outros irmãos de meu avô Joaquim Pereira venderam as suas heranças, por pouco mais de nada, e foram para outras terras. João foi para Ponte Nova, e Manoel foi para o Norte de Minas. Antônia e Luisa também venderam as suas heranças. Antônia era casada com o irmão de minha avó Maria Brasilina, por nome Antônio Luís Alves, que eu não conheci. Antônio Luís Alves morreu ainda moço, e a tia Toninha, como era chamada, vendeu a herança para um sobrinho por nome Pedro Alves, que era o filho mais velho do segundo casamento de Joana. E Luisa (esta eu não conheci) mudou-se para um lugar por nome Vargem Alegre, município de Manhuaçu, e por lá viveu, sem nunca voltar à Fazenda Cachoeira.

 

Voltando a Joaquim Pereira, meu avô. Minha avó Maria Brasilina contou-me que, no início que meu avô começou a enlouquecer, ele pegou a filha Corina, na idade de um ano, carregando ela nos braços, chamou dois cachorros, e subiu acima da cachoeira d’água da Fazenda, atravessou a cachoeira, na parte do início da correnteza, carregando a menina, já de noite. Do outro lado da cachoeira era uma mata virgem. Subiu margeando o rio, dentro do mato, até chegar em uma casa velha abandonada. Entrou dentro da casa com a menina, acendeu um fogo, deitou a menina perto do fogo, deixou os dois cachorros vigiando a menina, e foi pra casa de Antônio Acácio Pereira, que era seu sobrinho e concunhado, porque Antônio Acácio era casado com Francisca, irmã de Maria Brasilina. E Antônio era filho de Joana, irmã de Joaquim Pereira. Minha avó Maria Brasilina, quando deu por falta da menina, teve certeza que era o pai que a tinha carregado para algum lugar, pois deu por falta dos dois cachorros, que não estavam em casa. Chamou os filhos, despachou um para um lado, outro pra outro lado, e Raimundo subiu acima da cachoeira, e, quando foi atravessar, escorregou-se no limo da pedra e afundou-se em um remanso. Este trecho da história foi-me contado por ele próprio, em casa de meu pai Zeca. Dizia ele: “– Se não soubesse nadar, tinha morrido afogado”. O remanso era muito fundo. Ele contava que sentiu um zunzum dentro dos ouvidos, e foi até ao fundo, e, quando voltou à flor d’água, nadou e saiu. E foi pela mesma trilha que o pai tinha passado com a irmãzinha, e, chegando até a casa abandonada, encontrou a menina deitada perto do fogo, e os dois cachorros vigiando a menina. Tio Raimundo voltou com a menina pra casa. Ao chegar em casa, a família já tinha recebido a notícia que o pai estava em casa do sobrinho Antônio Acácio. Esperaram o dia amanhecer para irem buscá-lo. Todos os filhos se reuniram e foram buscar ele. Mas, quando chegaram à casa de Antônio Acácio, ele já tinha saído para o outro lado da Serra, e sempre caminhando pra frente, e eles perseguindo-o. Quando chegaram perto, e deram voz de prisão, ele avançou pra cima deles, jogando pedra, e foi a maior luta entre eles, e ele, mais com muito custo, foi preso pelos filhos. Assim, conseguiram prender ele e voltar para casa.

 

Meu avô Joaquim Pereira, quando melhorava daquelas perturbações, ninguém dizia que ele era doente. Eu me recordo bem de quando ele estava na prisão familiar. Eu ia até a sala, mas, antes de chegar, eu ficava atrás da parede, escutando ele cantar. Ele cantava as modas de viola, conversava, como que estivesse duas pessoas falando. Ele tinha um cunhado já falecido por nome Joaquim Alves, que tinha o apelido de Joaquinzinho, e, meu avô discutia com ele, e diversas vezes o xingava e, depois, pedia desculpa. E eu estava atrás da parede, na sala de dentro, ouvindo tudo. Mas, ele percebia que tinha alguém atrás da parede e perguntava: “– Quem aí?” Nesta hora, eu me aproximava dele e tomava bênção, e ele dizia: “– Benção de Deus!, pode chegar pra cá, eu não lhe faço mal”. Mas, eu tinha medo de chegar perto, e também minha avó me recomendava pra não me aproximar dele; eu conversava com ele, mas sempre concordando com ele. Tudo o que ele falava tinha que ser o certo, agente não podia contrariá-lo. Minha avó gostava que ele tivesse visita. E, como todos os que o visitavam eram da família, todos já sabiam que tinham que concordar com ele, em tudo o que ele falasse, certo ou errado. Meu avô Joaquim não bebia água, só bebia café. De vez em quando, ele gritava: “– Queeero cafeéé!!!”. E pedia também fogo para acender o cigarro, pois ele tomava muito café, e fumava demais cigarro de palha de milho.

 

A casa de meu avô Joaquim era muito grande. Era o casarão da Fazenda Cachoeira dos Pereiras (depois, Fazenda Cachoeira dos Alves). Os cômodos todos muito grandes. O pé direito da casa muito alto, com as portas e janelas todas altas; duas grandes salas, quatro quartos, todos grandes, e o quarto da sala, onde ele ficava preso, era de estuque, barreado com barro e rebocado com areia. Nos primeiros anos em que ele foi preso, arrancava os terrões da parede, e jogava por cima da outra parede, a que dividia as duas salas. Os terrões iam, voando, por cima do espaço vago das cumeeiras da casa, até à cozinha. Sendo assim, a casa não pôde ficar com os terrões nas paredes do quarto; derrubaram os terrões e pregaram tábuas, no quarto onde ele ficava preso. O assoalho tinha um metro de altura, não era porão de andar gente em pé, mas, andavam porcos por baixo do assoalho. O terreiro era cercado com rachas de braúna, para os porcos não fugirem. Dentro do quarto, havia um buraco aonde ele fazia suas necessidades. Era assim o Brasil de antigamente.

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