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quinta-feira, 10 de março de 2011

ALMADA NEGREIROS: UM FICCIONISTA PORTUGUÊS MUITO SENHOR DE SUA VONTADE

ALMADA NEGREIROS: UM FICCIONISTA PORTUGUÊS MUITO SENHOR DE SUA VONTADE

NEUZA MACHADO






No intuito de reconsiderarmos todos os diferenciados acontecimentos de nosso recente passado brasileiro (ou mesmo do mundo globalizado), os já nomeados juízos afirmativos e juízos negativos (contraditórios) acrescidos dos inovadores juízos de descoberta (bachelardianos), convido-os a um original repensar reflexivo de tais eventos por intermédio das valiosas leituras de textos literários-arte já dignificados ao longo do tempo.

Para que as prováveis ponderações sobre o assunto possam abranger um julgamento dialetizado (não estagnado), a narrativa ficcional “O Cágado”, do escritor português Almada Negreiros (uma narrativa aparentemente insólita publicada em 1921), certamente será de grande valia.


O CÁGADO

Almada Negreiros


Havia um homem que era muito senhor da sua vontade. Andava às vezes sozinho pelas estradas a passear. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um animal que parecia não vir a propósito – um cágado.

O homem era muito senhor da sua vontade, nunca tinha visto um cágado; contudo, agora estava a acreditar. Acercou-se mais e viu com os olhos da cara que aquilo era, na verdade, o tal cágado da zoologia.

O homem que era muito senhor da sua vontade ficou radiante, já tinha novidades para contar ao almoço, e deitou a correr para casa. A meio caminho pensou que a família era capaz de não aceitar a novidade por não trazer o cágado com ele, e parou de repente. Como era muito senhor da sua vontade, não poderia suportar que a família imaginasse que aquilo do cágado era história dele, e voltou atrás. Quando chegou perto do tal sítio, o cágado, que tinha desconfiado da primeira vez, enfiou buraco abaixo como quem não quer a coisa.

O homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a espreitar para dentro e depois de muito espreitar não conseguiu ver senão o que se pode ver para dentro dos buracos, isto é, muito escuro. Do cágado, nada. Meteu a mão com cautela e nada; a seguir até ao cotovelo e nada; por fim o braço todo e nada. Tinham sido experimentadas todas as cautelas e os recursos naturais de que um homem dispõe até ao comprimento do braço e nada.

Então foi buscar auxílio a uma vara compridíssima, que nem é habitual em varas haver assim tão compridas, enfiou-a pelo buraco abaixo, mas o cágado morava ainda muito mais lá para o fundo. Quando largou a vara, ela foi por ali abaixo, exatamente como uma vara perdida.

Depois de estudar novas maneiras, a ofensiva ficou de fato submetida a nova orientação. Havia um grande tanque de lavadeiras a dois passos e ao lado do tanque estava um bom balde dos maiores que há. Mergulhou o balde no tanque e, cheio até mais não, despejou-o inteiro para dentro do buraco do cágado. Um balde só já ele sabia que não bastava, nem dez, mas quando chegou a noventa e oito baldes e que já faltavam só dois para cem e que a água não havia meio de vir ao de cima, o homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a pensar em todas as espécies de buracos que possa haver.

– E se eu dissesse à minha família que tinha visto o cágado? – pensava para si o homem que era muito senhor da sua vontade. Mas não! Toda a gente pode pensar assim menos eu, que sou muito senhor da minha vontade.

O maldito sol também não ajudava nada. Talvez que fosse melhor não dizer nada do cágado ao almoço. A pensar se sim ou não, os passos dirigiam-se involuntariamente para as horas de almoçar.

– Já não se trata de eu ser um incompreendido com a história do cágado, não; agora trata-se apenas da minha força de vontade. É a minha força de vontade que está em prova, esta é ocasião propícia, não percamos tempo! Nada de fraquezas!

Ao lado do buraco havia uma pá de ferro, destas dos trabalhadores rurais. Pegou na pá e pôs-se a desfazer o buraco. A primeira pazada de terra, a Segunda, a terceira, e era uma maravilha contemplar aquela majestosa visibilidade que punha os nossos olhos em presença do mais eficaz testemunho da tenacidade, depois dos antigos. Na verdade, de cada vez que enfiava a pá na terra, com fé, com robustez, e sem outras intenções a mais, via-se perfeitamente que estava ali uma vontade inteira; e ainda que seja cientificamente impossível que a terra rachasse de cada vez que ele lhe metia a pá, contudo era indiscutivelmente esta a impressão que lhe dava. Ah, não! Não era um vulgar trabalhador rural. Via-se perfeitamente que era alguém muito senhor da sua vontade e que estava ali por acaso, por imposição própria, contrafeito, por necessidade do espírito, por outras razões diferentes das dos trabalhadores rurais, no cumprimento de um dever, um dever importante, uma questão de vida ou de morte – a vontade.

Já estava na nonagésima pazada de terra; sem afrouxar, com o mesmo ímpeto da inicial, foi completamente indiferente por um almoço a menos. Fosse ou não por um cágado, a humanidade iria ver solidificada a vontade de um homem.

A mil metros de profundidade a pino, o homem que era muito senhor da sua vontade foi surpreendido por dolorosa dúvida – já não tinha nem a certeza se era a quinquagésima milionésima octogésima quarta. Era impossível recomeçar, mais valia perder uma pazada.

Até ali não havia indícios nem da passagem da vara, da água ou do cágado. Tudo fazia crer que se tratava de um buraco supérfluo; contudo, o homem era muito senhor da sua vontade, sabia que tinha de haver-se de frente com todas as más impressões. De fato, se aquela tarefa não houvesse de ser árdua e difícil, também a vontade não podia resultar superlativamente dura e preciosa.

Todas as noções de tempo e de espaço, e as outras noções pelas quais um homem constata o quotidiano, foram todas uma por uma dispensadas de participar no esburacamento. Agora, que os músculos disciplinados num ritmo único estavam feitos ao que se quer pedir, eram necessários todos os raciocínios e outros arabescos cerebrais, não havia outra necessidade além da dos próprios músculos.

Umas vezes a terra era mais capaz de se deixar furar por causa das grandes camadas de areia e de lama; todavia, estas facilidades ficavam bem subtraídas quando acontecia ser a altura de atravessar uma dessas rochas gigantescas que há no subsolo. Sem incitamento nem estímulo possível por aquelas paragens, é absolutamente indispensável recordar a decisão com que o homem muito senhor da sua vontade pegou ao princípio na pá do trabalhador rural para justificarmos a intensidade e a duração desta perseverança. Inclusive, a própria descoberta do centro da Terra, que tão bem podia servir de regozijo ao que se aventura pelas entranhas do nosso planeta, passou infelizmente desapercebida ao homem que era muito senhor da sua vontade. O buraco do cágado era efetivamente interminável. Por mais que se avançasse, o buraco continuava ainda e sempre. Só assim se explica ser tão rara a presença de cágados à superfície devido à extensão dos corredores desde a porta da rua até aos aposentos propriamente ditos.

Entretanto, cá em cima na terra, a família do homem que era muito senhor da sua vontade, tendo começado por o ter dado por desaparecido, optara, por último, pelo luto carregado, não consentindo a entrada no quarto onde ele costumava dormir todas as noites.

Até que uma vez, quando ele já não acreditava no fim das covas, já não havia, de fato, mais continuação daquele buraco, parava exatamente ali, sem apoteose, sem comemoração, sem vitória, exatamente como um simples buraco de estrada onde se vê o fundo ao sol. Enfim, naquele sítio nem a revolta servia para nada.

Caindo em si, o homem que era muito senhor da sua vontade pediu-lhe decisões, novas decisões, outras; mas ali não havia nada a fazer, tinha esquecido tudo, estava despejado de todas as coisas, só lhe restava saber cavar com uma pá. Tinha, sobretudo, muito sono, lembrou-se da cama com lençóis, travesseiro e almofada fofa, tão longe! Maldita pá! O cágado! E deu com a pá com força no fundo da cova. Mas a pá safou-se-lhe das mãos e foi mais fundo do que ele supunha, deixando uma greta aberta por onde entrava uma coisa de que ele já se tinha esquecido há muito – a luz do sol. A primeira sensação foi de alegria, mas durou apenas três segundos, a Segunda foi de assombro: teria na verdade furado a Terra de lado a lado?

Para se certificar alargou a greta com as unhas e espreitou para fora. Era um país estrangeiro; homens, mulheres, árvores, montes e casas tinham outras proporções diferentes das que ele tinha na memória. O sol também não era o mesmo, não era amarelo, era de cobre cheio de azebre e fazia barulho nos reflexos. Mas a sensação mais estranha ainda estava para vir: foi que, quando quis sair da cova, julgava que ficava em pé em cima do chão como os habitantes daquele país estrangeiro, mas a verdade é que a única maneira de poder ver as coisas naturalmente era pondo-se de pernas para o ar...

Como tinha muita sede, resolveu ir beber água ali ao pé e teve de ir de mãos no chão e o corpo a fazer pino, porque de pé subia-lhe o sangue à cabeça. Então, começou a ver que não tinha nada a esperar daquele país onde nem sequer se falava com a boca, falava-se com o nariz.

Vieram-lhe de uma vez todas as saudades da casa, da família e do quarto de dormir. Felizmente estava aberto o caminho até casa, fora ele próprio quem o abrira com uma pá de ferro. Resolveu-se. Começou a andar o buraco todo ao contrário. Andou, andou, andou; subiu, subiu, subiu...

Quando chegou cá acima, ao lado do buraco estava uma coisa que não havia antigamente – o maior monte da Europa, feito por ele, aos poucochinhos, às pazadas de terra, uma por uma, até ficar enorme, colossal, sem querer, o maior monte da Europa.

Este monte não deixava ver nem a cidade onde estava a casa da família, nem a estrada que dava para a cidade, nem os arredores da cidade que faziam um belo panorama. O monte estava por cima disto tudo e de muito mais.

O homem que era muito senhor da sua vontade estava cansadíssimo por ter feito duas vezes o diâmetro da Terra. Apetecia-lhe dormir na sua querida cama, mas para isso era necessário tirar aquele monte maior da Europa. Foi restituindo à Terra, uma por uma, todas as pazadas com que a tinha esburacado de lado a lado. Começavam já a aparecer as cruzes das torres, os telhados das casas, os cumes dos montes naturais, a casa da sua família, muita gente suja de terra, por ter estado soterrada, outros que ficaram aleijados, e o resto como dantes.

O homem que era muito senhor da sua vontade já podia entrar em casa para descansar, mas quis mais, quis restituir à Terra todas as pazadas, todas. Faltavam poucas, algumas dúzias apenas. Já agora valia a pena fazer tudo bem até ao fim. Quando já era a última pazada de terra que ele ia meter no buraco, portanto, a primeira que ele tinha tirado ao princípio, reparou que o torrão estava a mexer por si, sem ninguém lhe tocar; curioso, quis ver porque era – era o cágado.

 

(ALMADA NEGREIROS. Contos e Novelas, Lisboa: Estampa, 1970: 111-116)

quarta-feira, 9 de março de 2011

ARRAS POR FORO DE ESPANHA: A QUESTÃO DO HERÓI ROMÂNTICO NA LITERATURA PORTUGUESA

ARRAS POR FORO DE ESPANHA: A QUESTÃO DO HERÓI ROMÂNTICO NA LITERATURA PORTUGUESA   
 
NEUZA MACHADO





Alexandre Herculano foi soldado, foi poeta, mas, sobretudo, foi um excepcional narrador das origens e lendas de Portugal. Paralelamente ao seu ofício de Historiador, o escritor romântico português desenvolveu por meio de diretivas ficcionais um modo todo especial de reviver a história do passado de sua nação, dando-lhe um aspecto quase lendário. Observa-se isto em muitas de suas obras, como “O Bispo Negro”, por exemplo, no qual o plano sócio-substancial da narrativa se entrelaça de forma admirável com o imaginário-em-aberto da autêntica criação literária. Em “O Bispo Negro”, Alexandre Herculano, querendo desmitificar a aura de santidade de Afonso Henriques, que se tornou conhecido pelos pósteros como de origem divina, cria-lhe outra aura: a de homem valente e irascível, que não teme nem mesmo a ira de Deus. Em um certo momento da narrativa, ao exigir que o Papa revogasse a sua excomunhão, Afonso Henriques não o faz por medo dos castigos do inferno, mas para reforçar a sua condição de rei, isto é, o seu prestígio como rei. Para tal exigência, usa até mesmo a força física. Quanto ao bispo “negro” será que em verdade existiu? Não se sabe com plena certeza, e aí entra o lendário.

Em “Arras por foro de Espanha”, Herculano não foge à regra. É uma narrativa histórica, repleta das características intrínsecas do romantismo português do século XIX, principalmente a característica da retomada de valores medievais, e, por tal razão, ambientada em pleno século XIV, assim como “O Bispo Negro”, que se estabelece no século XII.

Por intermédio da análise linear há a possibilidade de se detectar uma parte da trajetória do reinado de Dom Fernando, 4o rei da Segunda Dinastia de Portugal, e seu problemático casamento com Dona Leonor Teles de Meneses. Alexandre Herculano realça a idéia de que o povo português da época não aceitava tal união, por julgá-la indigna de seu rei. Dona Leonor já era casada com João Lourenço da Cunha e, mesmo assim, conseguiu conquistar o amor do rei para satisfazer a sua ambição de poder. O rei julgava-se amado e por isso não via esse aspecto negativo da personalidade de Dona Leonor. Estava cego de paixão, mas o povo via, e sofria. Os nobres também desaprovavam, pois a união com uma mulher casada não se adequava às leis religiosas e políticas da fase final da Idade Média. Assim, a nobreza, maledicente e descontente, soube direcionar aos ouvidos da população os indícios de sua própria revolta, e que resultou logo depois em muito sangue derramado (o dote exigido pela rainha) e na vitória da adúltera.

Para um leitor menos exigente, isto é o que fica de concreto em relação à história recontada ficcionalmente por Alexandre Herculano. Mas, na verdade, ao ler-se uma obra ficcional, principalmente quando esta for considerada de primeiríssima qualidade, o leitor analista e/ou intérprete não deverá fixar-se apenas em palavras e orações, e, muito menos, decorar o conteúdo escrito; o que deverá permanecer em seu intelecto é a compreensão do não-dito da obra analisada, ou seja, aquilo que o escritor deixou latente nas entrelinhas da camada visível de seu texto literário. Por exemplo, em uma análise mais profunda, aliada à interpretação fenomenológica, pode-se captar o invisível do texto-arte, isto é, aquilo que só é detectável com o auxílio do entendimento.

Em “Arras por foro de Espanha”, Alexandre Herculano oferece ao leitor uma narrativa dividida em sete partes (é natural em Herculano o uso dos números cabalísticos). Em cada parte se desenvolve um tipo diferente de narração (observar as diferenças inerentes aos conceitos de narrativa e narração), cada qual entremeada por ações distintas. Em todas as narrativas de Herculano não há como se observar um fio narrativo com episódios simultâneos. Os episódios são, ao contrário, estanques, carregados de uma forte carga emocional, episódios semelhantes a quadros que, dispostos ao longo de uma parede, narrassem ao apreciador as peripécias de um momento do passado. O escritor romântico Alexandre Herculano, graças a um narrar singularíssimo, apesar das diretrizes formais de seu momento estético, se metamorfoseia em pintor/ficcionista e, assim, por meio de palavras, oferece aos leitores dos séculos seguintes quadros vivos de um passado distante. Por intermédio de pinceladas narrativas fortes e seguras, caracteriza as personalidades de seus personagens ficcionais.

Em verdade, os personagens em questão existiram, fizeram parte da História da nação portuguesa. Mas, graças ao poder narrativo de Herculano, passam a existir na mente do leitor do porvir por meio do plano metafísico. O caráter diabólico de Dona Leonor adquire uma faceta irreal. Alguns leitores custam a aceitar (outros já aceitam de imediato) o fato de ter existido, em realidade, uma mulher tão pérfida e ambiciosa, sem um mínimo rasgo de bondade. Esta inaceitabilidade gera a dúvida, a dúvida gera a compreensão, a compreensão gera a modificação. O que isto quer dizer? Quer dizer que começam a aparecer perguntas e reflexões, de acordo com a sensibilidade ou de acordo com o conhecimento de cada um. Assim, um determinado leitor neófito poderá dizer: “Que mulher perversa, má, interesseira, sem princípios!” Aí poderá vir o contraponto também de um outro leitor neófito: “Coitada! Foi tão perseguida, caluniada, enlameada. Será que ela não tinha o direito de ser amada? Será que ela foi realmente má? Não teria Herculano (ou a História) acentuado um caráter forte que poderia não ser tão mau assim? Será que ela não foi vítima dos acontecimentos em vez de carrasco?” Assim, graças a pensamentos especulativos, passa-se a uma espécie de compreensão primária das mensagens temporais que estão ocultas no texto ficcional, historicamente passa-se a modificar o caráter dos personagens. O leitor não seria humano se não agisse assim.

Entretanto, o estudioso da literatura portuguesa, desenvolvendo um ponto de vista analítico mais elaborado, poderá aprofundar-se em princípio em sua análise e, posteriormente, na compreensão fenomenológica desta narrativa de Alexandre Herculano em particular, cujo conteúdo naturalmente submete-se ao modelo romântico, e dela retirar as impressões pessoais do autor, as quais se ocultam nas entrelinhas de sua ficção.

Pelo ponto de vista da livre interpretação, escorada naturalmente nos preceitos da orientação fenomenológica, o leitor atento poderá descobrir que a narrativa apresenta um Dom Fernando fraco, subjugado pela paixão por uma mulher de caráter interesseiro. É aceitável essa fraqueza. É comovente a grandiosidade dessa paixão. Mas, ele não foi tão fraco ao enfrentar a oposição da nobreza e do povo em relação ao seu casamento (se bem que a narrativa faz crer que ele era conduzido pelas mãos firmes de Dona Leonor), pois se fosse fraco acataria a decisão da maioria. Não foi fraco, por exemplo, ao selar a condenação dos traidores. Será que, realmente, ele “sentiu horror” ao assinar a condenação? Ou ele, também, era conivente com as idéias de vingança de Dona Leonor? Quem poderá afirmar com certeza o que se passa no coração humano? E, além disso, não se deve esquecer que a história de Herculano segue os pressupostos do romantismo português do século dezenove, e que o conteúdo ficcional da mesma destaca a época de barbarismos da Idade Média. Matar, naquele período medieval era um ato comum. As vinganças também.

Está claro que Herculano, como um fecundo narrador filiado à estética romântica, e principalmente como historiador, possuía um primoroso conhecimento da História de Portugal. A verdade é que, por mais que mostre o caráter negativo de Dona Leonor, ele deixa uma frestazinha, mínima, oferecendo ao leitor a possibilidade de amar a personagem ao invés de odiá-la. Ao ler a frase, já no final da narrativa, “Dona Leonor triunfara”, o leitor de Herculano sente um certo júbilo. É a vitória do mais forte, pelo ponto de vista do padrão narrativo romântico, não importando o sangue derramado. O leitor da estética romântica ama os fortes e corajosos, os fracos não têm vez. O herói ou heroína do Romantismo, ao final, sairá sempre como vencedor.

E, Dom Diniz? Este, ao longo da narrativa, é apenas um dos candidatos ao trono paterno, ou seja, nos domínios da ficção é a força motriz para gerar confusões. Dom Diniz é tão ambicioso quanto Dona Leonor, talvez até mais, pois não se acanha em unir-se ao matador de sua mãe, na tentativa de derrubar aquela que se tornara um entrave às suas pretensões. Herculano pinta-o como um jovem orgulhoso e cheio de brios ao enfrentar o irmão, recusando-se a beijar a mão de Leonor Teles, mas, basta que o analista literário busque o auxílio da História e achará assentado o caráter brigão e virulento do infante. Retomando a História de Portugal, o leitor-analista poderá descobrir que Dom Diniz, em virtude de sua desavença com Leonor Teles, exila-se. Posteriormente, retorna a Portugal, após a batalha de Aljubarrota, mas, o novo rei, Dom João I de Avis, que já conhecia o caráter irrequieto do infante, envia-o à Inglaterra. Alguns anos depois, torna-se prisioneiro de piratas flamengos. Depois de um longo cativeiro, vai para a Espanha, onde passa a lutar contra Portugal.

Em “Arras por foro de Espanha”, Dom Diniz é o único que não se dobra aos caprichos da rainha, mas também não termina como um vencedor (à moda das regras estilísticas do Romantismo). Afasta-se de cena, à meia-noite, dentro de uma barca que “subia com dificuldade a corrente rápida do Douro”.Quanto ao povo (a “arraia miúda”), este, por si só, vale como personagem. Não há distinções hierárquicas entre o povo. Excetuando-se Fernão Vasques, eleito porta-voz da população, ninguém se destaca em particular. Mas o povo em “Arras por foro de Espanha” é grandioso ao lutar e pequeno e insignificante na derrota. É para se lamentar sempre a sorte de um povo que se acomoda à ideologia dominante, que se concilia ao patriarcalismo milenar. Alcácer por Sua Senhoria!

Outros personagens aparecem ao longo da narrativa de Herculano (Frei Roy, Mestre Bartolomeu Chambão e outros) ajudando a formar os elos da intriga ficcional atrelada ao modelo da ficção romântica. Entre todos é ainda a figura ímpar da malvada rainha que se destaca. Ela é a alma da narrativa. Ela é terrível em sua vingança, mas sem ela a história do rei D. Fernando de Portugal seria outra.

Neuza Machado - neumac@oi.com.br

terça-feira, 8 de março de 2011

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

NEUZA MACHADO




Hoje, dia 08 de Março de 2011 — DIA INTERNACIONAL DA MULHER —, desejo parabenizar às mulheres do Brasil e do Mundo e desejar-lhes um sem-fim de momentos felizes.

Para mim, que nasci em um Estado Federativo do Brasil seguidor de severíssimas leis patriarcais — Estado de Minas Gerais —, o fato da mulher brasileira na pessoa de nossa Presidenta Dilma ter alcançado o patamar mais elevado na hierarquia político-social, é algo muito significativo. A confiança da entrega da gerência do país a uma mulher traduz o nível de desenvolvimento do nosso povo, mas primeiramente revela a capacidade e responsabilidade da mulher brasileira em assumir cargos de comando dentro dos vários tipos de núcleos sociais: mães-chefes-de-família; presidentas de associação de moradores; presidentas de clubes desportivos (ambiente altamente competitivo), etc.

É bem verdade que as brasileiras ainda não recebem o devido respeito. Infelizmente ainda há o preconceito de que “mulher no comando” ou é marionete de algum homem ou possui mais qualidades masculinas do que femininas. A propósito desse preconceito, deveríamos nos indagar: quando, na História da Civilização do Homem, ficou acordado que as qualidades superiores do Espírito seriam exclusivas do gênero masculino? Nessa assembléia de tempos remotos, quais qualidades predominavam nos participantes quando fundaram o Sistema Patriarcado? Mas, de acordo com os preceitos nascidos a partir da geração dos anos 1970, não devemos sentir rancor pelas decisões mal tomadas anteriormente.

Por fim, terminando esta minha mensagem às mulheres brasileiras, extendendo-a também às mulheres estrangeiras, gostaria que os meus leitores apreciassem este belíssimo poema musicado de Erasmo Carlos. Erasmo Carlos soube colocar no papel os seus sentimentos de amor por Narinha, sua esposa, e com isto homenageou todas as mulheres da época e do futuro em seu poema-arte.
 

(Apreciem a letra e música de Erasmo Carlos clicando no Site letras.terra.com.br/erasmo-carlos/67612/)


MULHER

(Autores: Erasmo Carlos e Narinha)


Dizem que a mulher é o sexo frágil
Mas que mentira absurda!
Eu que faço parte da rotina de uma delas
Sei que a força está com elas...

Vejam como é forte a que eu conheço
Sua sapiência não tem preço
Satisfaz meu ego se fingindo submissa
Mas no fundo me enfeitiça...

Quando eu chego em casa à noitinha
Quero uma mulher só minha
Mas pra quem deu luz não tem mais jeito
Porque um filho quer seu peito...

O outro já reclama a sua mão
E o outro quer o amor que ela tiver
Quatro homens dependentes e carentes
Da força da mulher...

Mulher! Mulher!
Do barro de que você foi gerada
Me veio inspiração
Pra decantar você nessa canção...

Mulher! Mulher!
Na escola em que você foi ensinada
Jamais tirei um 10
Sou forte mas não chego
Aos seus pés...

(Repetir a letra)

terça-feira, 1 de março de 2011

PARABÉNS MINHA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

PARABÉNS MINHA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

NEUZA MACHADO





Para homenageá-la, minha querida Cidade do Rio de Janeiro,
quero dizer-lhe que Você continua bella como sempre. O Sol Hipercariocjônio continua iluminando-a e acariciando com seus raios brilhantes os Cariocas Intrépidos (aqueles que não trepidam nunca, já que são corajosos e não vacilam ante os obstáculos de um Qualquer Destino Adverso!). Por esta razão, peço-lhe licença, minha Cidade, neste seu aniversário notável, para plagiar Horácio (Carmen Saeculare ― Roma Antiga, época de Augusto): O’ Sol capaz de produzir a abundância, que faz existir o dia com (seu) carro hiper-iluminado e o oculta, e nasce sempre diferente e sempre igual, tomara nada possa contemplar (nos séculos vindouros) maior que a Cidade do Rio de Janeiro.

E para contemplar-lhe, com entusiasmo e alegria, nada mais estimulante do que estar dentro de uma aeronave (enlevada!, extasiada!, maravilhada!), voltando de outros lugares do mundo, ansiosamente na expectativa de abraçar-lhe com muito amor e carinho ao som do SAMBA DO AVIÃO do Antônio Carlos Brasileiro, na voz de Danilo Caymmi acompanhado da Banda Nova.





SAMBA DO AVIÃO

Antônio Carlos Jobim


Eparrê
Aroeira beira de mar
Canoa Salve Deus e Tiago e Humaitá
Eta, costão de pedra dos home brabo do mar
Eh, Xangô, vê se me ajuda a chegar

Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudades
Rio, seu mar
Praia sem fim
Rio, você foi feito pra mim.

Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão

Copacacabana, Copacabana
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Aperte o cinto, vamos chegar
Água brilhando
Olha a pista chegando
E vamos nós
Pousar...