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domingo, 31 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: ALTO DE CARANGOLA NO TEMPO DA MATA VIRGEM


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: ALTO DE CARANGOLA NO TEMPO DA MATA VIRGEM


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 




Alto de Carangola, no tempo da mata virgem, tinha nome de Quilombo, por ser o lugar aonde os escravos se escondiam dentro das matas, por não quererem sujeitar-se ao trabalho forçado que o Sinhô exigia deles. Os escravos fugiam para o quilombo e formavam um verdadeiro exército e faziam muitos roubos. Eles viviam iguais aos índios, mas, mais conhecedores do que se passava nas Fazendas. Eles saiam de noite e roubavam o que fosse necessário para o sustento deles, trabalhar não era com eles.

 

Quando um escravo fugia da Fazenda, já se sabia que ele estava no quilombo. E, para chegar lá, quem se atrevia em ir com pouca gente?  Naquela época não existia policiamento para fazer prisão de fugitivo. Em lugar atrasado, longe do comércio, os próprios fazendeiros saíam com alguns de seus parentes e amigos, e com alguns empregados de confiança, e iam até ao Quilombo, e traziam os fugitivos. E botavam o fugitivo no tronco até castigar bem. Depois, tiravam do tronco, e o escravo era obrigado a trabalhar com a perna algemada na perna de outro escravo que não devia aquele castigo. Se fosse fazer uma capina de café em carreira, aquele escravo que não devia nada não saía da sua carreira, mas, o outro, o que devia o castigo, de pé em pé, ele tinha que atravessar, para conseguir levar a capina, até chegar ao final.

 

Alto de Carangola continuou, por muito tempo, com o nome de Quilombo. Mesmo quando eu era ainda bem menino, muitos falavam Quilombo, referindo-se ao Alto de Carangola. Ali, no Alto de Carangola, existiu um homem que virou bicho. Sobre o homem que virou bicho, o Egídio Fagundes, o caso foi muito comentado durante muitos anos, dizia-se sempre, referindo-se ao Egídio Fagundes e ao lugar do acontecido: o Bicho do Quilombo. E, hoje em dia, o lugar não é chamado nem de Quilombo, nem de Alto de Carangola, é conhecido com o nome de Arizona [*Orizânia].

sábado, 30 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: AS ANTIGAS FESTAS RELIGIOSAS EM SANTO ANTÔNIO DO ARROZAL


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: AS ANTIGAS FESTAS RELIGIOSAS EM SANTO ANTÔNIO DO ARROZAL


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 


 
Santo Antônio do Arrozal, que tinha também o nome de Choro quando eu estudava lá, tinha seis casas comerciais, de fazendas [panos, tecidos] e armarinhos, duas padarias, duas farmácias, quatro casas de bebidas e miudezas, ferraria, barbearia. Eram muitos turcos que comerciavam, negociavam até com toucinho em canoa. O senhor Luiz de Sales era o homem que comandava e organizava as festas, de mês de Maria, de Santo Antônio, de São Sebastião. De mês em mês, havia missa. O padre ia direto pra casa do senhor Luiz de Sales.

 

Em ocasiões de festas, o senhor Luiz de Sales mandava cartas pedindo leilão, e meninas, para coroar Nossa Senhora. A igreja era pequena, mas, em todos os dias do mês de maio, ninguém faltava com a presença na igreja, para assistir à reza, em homenagem a Nossa Senhora, ou Santo Antônio, ou São Sebastião.

 

E, no dia da festa, vinha a Banda de Música do senhor Raimundo Ramos, vinha do Município de Matipó, com todos os seus filhos, filhas e genros, todos músicos. Era uma família reunida. O senhor Raimundo era maestro, e tocava clarinete.

 

Do Divino do Carangola, vinham o padre e os fogueteiros, com aqueles enormes arrumados de foguetes-de-cauda bem compridas.

 

Meu pai e minha mãe eram os puxadores da reza, eles rezavam durante todo o mês, e minhas irmãs também ajudavam a fazer o coro. Eu acompanhava, mas não ajudava a rezar. Mas, como eu tocava violão e cantava samba, marcha, valsa, minha mãe, um dia, fez-me um convite, dizendo: “– Você canta bem, tem boa voz, hoje você vai-me ajudar a rezar”. Confesso que fiquei surpreso com aquele convite, pois eu gostava mesmo era de tocar em baile, fazer serenata, não tinha a menor tenção em cantar na igreja, mas, não queria desagradar minha mãe. Aí, eu ensaiei com minha mãe e minhas irmãs, e fomos pra igreja. Minha mãe ficou tão contente, que me entregou a direção de todos os cânticos.

 

Naquela época, sempre havia festa em dois arraiais: Choro e Indayá. Meu pai era contratado para rezar nesses dois arraiais. Sendo que Indayá ficava mais longe e, assim, precisava mudar-se pra lá, com a família, durante o tempo que fosse preciso, um mês, ou até dois. Às vezes, faziam duas festas seguidas.

 

Faz pouco tempo que estive em Minas Gerais [*ano da viagem de Antônio à terra natal: 1984], aonde fui nascido e criado. Divino melhorou bastante, mas, Indayá tá no mesmo. Mas, o arraial do Choro não tem mais aquelas casas, que tinha naquele tempo. Até a Igreja arrancaram. Só se vê casinhas sarapecadas, longe uma da outra, tudo diferente. Se agente não tivesse conhecimento de como era aquele lugar no passado, nunca podia pensar que aquele lugar já foi tão movimentado. Dia de sábado, então, era uma verdadeira festa de casamento, com acompanhamento, todos a cavalo, disputando corridas, vinha gente de Bom Jesus, da Samambaia, do Alto-Carangola, do Córrego dos Dornellas, e dos Henriques, e de todos os lados.

sexta-feira, 29 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A ESCOLA DE DONA GUIOMAR NO ARRAIAL DO CHORO


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A ESCOLA DE DONA GUIOMAR NO ARRAIAL DO CHORO


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 



Eu conheci o Arraial do Choro, cujo nome próprio é Santo Antônio do Arrozal, numa época muito promissora. Tinha uma Escola Pública Estadual, com uma professora de primeira classe por nome dona Guiomar Rodrigues de Amorim, casada com o senhor Caetano, que era o escrivão de paz. Ainda me lembro dos nomes dos filhos do casal, que já frequentavam as aulas. O mais velho dos irmãos, Wilson, depois, Marica, Joca e Lourdinha. Havia mais dois pequenos, que não frequentavam as aulas.

 

Dona Guiomar ensinava até o quinto ano. Depois, o aluno saía preparado para entrar no Ginásio. A casa da Escola era pequena, mal dava pra uns sessenta a oitenta alunos. Tinha duas fileiras de bancos. Na frente, os meninos mais atrasados, os mais adiantados ficavam na retaguarda. Ao lado, um quadro negro. Dona Guiomar ficava atrás de uma mesinha, sentada, e, em cima da mesinha, uma vara de marmelo e uma régua de uns trinta centímetros. Ela tanto batia com a vara, como batia com a régua. Pra ela, não tinha tamanho de aluno, o aluno podia estar com quinze ou dezesseis anos, se precisasse apanhar, ela batia, até fazer vergão. Na hora de estudar, era o maior silêncio, ninguém podia nem cochichar.

 

Lembro-me do primeiro dia em que eu entrei na Escola. Ela passou o a b c pra mim, para eu estudar em silêncio, eu comecei lendo baixo, mas, ela ouviu o meu cochicho e veio silenciosamente, até onde eu estava sentado, e deu de leve em minha cabeça com a vara de marmelo, e disse: “– Estuda, mais baixo!”

 

Além do primeiro dia de aula em que ela me corrigiu, eu me lembro de um outro dia, em que ela me deu umas varadas. Nesse dia, eu precisei mesmo de apanhar. Eu já estava bem adiantado, já fazendo conta de multiplicar, conta passada no quadro negro, bem adiantado mesmo. Não sei bem porque eu esquentei a cabeça, e não havia jeito de eu terminar a conta. O erro estava sobre um número, e eu não conseguia resolver a conta. Dona Guiomar estava me observando, e quis me ajudar, e disse: “– Antônio Costa, você está tomando muito café. O erro da conta está no número tal”. Ela dizia até o número, onde estava o erro, e eu, nem assim, entendia onde estava o erro. Aí, ela já veio com a vara na mão, e deu-me umas varadas, e dizendo: “– Deixa de tomar muito café, pois nem eu falando qual o número do erro, você não acerta?!”

 

Eu só tive três anos de Escola Pública. Fiquei só com o terceiro ano, porque dona Guiomar mudou-se para o Espírito Santo, e nunca mais tivemos notícia dela. Na véspera da mudança sair do Choro, com destino a Alegre, cidade do Espírito Santo, meu pai levou eu e um meu irmão, chamado Eurico, que também fora aluno de dona Guiomar, para que nós nos despedíssemos da professora e de sua família. Ela disse a meu pai: “– Senhor José, dos dois filhos do senhor, eu levo um sentimento”. E meu pai perguntou: “– Pode me dizer qual é o sentimento?” E ela respondeu: “– O sentimento que eu levo é de não deixar o Antônio muito adiantado, o sentimento que eu levo do Eurico, é de não poder tirar esta buta dele”. 

quinta-feira, 28 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: QUANDO MINHA MÃE ANTONINHA FICOU DOENTE


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: QUANDO MINHA MÃE ANTONINHA FICOU DOENTE


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 
 


 

Luiz de Sales era amigo de seus amigos. Recordo-me de uma vez que minha mãe estava muito mal, dois meses de cama, sofrendo uma dor no peito, que impedia a respiração. Parecia mesmo que ia morrer, pois já não se alimentava, só gemendo, dia e noite, Como meu pai era compadre e amigo de Luiz de Sales, recebeu dele, nesta ocasião, uma valiosa ajuda.  Meu pai ia passando, em frente à casa de Luiz de Sales, para ir à farmácia, para dar informação da doença de minha mãe ao farmacêutico, e, também, apanhar remédio para a dor de peito que ela sentia, aí, o senhor Luiz de Sales perguntou a meu pai como ia passando minha mãe. Meu pai respondeu que minha mãe não estava bem, e que ele ia até a farmácia, para dar informação ao farmacêutico que estava tratando de minha mãe.

 

Para nossa felicidade, naquele dia, estavam os políticos hospedados em casa do senhor Luiz de Sales, e, aí, o senhor Luiz disse a meu pai: “ – Compadre Zeca, volta pra sua casa e põe a comadre Antoninha no quarto da sala, que eu vou levar o Doutor Waldemar Soares para fazer um exame na comadre. Meu pai, naquele mesmo instante, voltou pra casa e fez conforme o senhor Luiz de Sales mandara.

 

Com menos de duas horas, o senhor Luiz de Sales e o doutor Waldemar Soares estavam em nossa casa, pois a distância não era longe. Quando eles chegaram em nossa casa, o doutor Waldemar examinou minha mãe e disse pra meu pai: “– Eu vou fazer uma experiência sobre este mal que está nesta doente. Se for água, eu curo ela aqui mesmo, mas, se for pus, o senhor terá que levar ela até Carangola. Aí, o doutor mandou minha mãe deitar-se de bruço, fincou uma agulha nas costas de minha mãe, e sugou um líquido amarelado. Não era pus. Ele disse a meu pai: “– Não é preciso levar ela a Carangola. Aqui mesmo, eu curo ela”. Meu pai disse ao doutor Waldemar, assim: “– Doutor, amanhã eu vou buscar o remédio”. Isto, já era quatro horas da tarde. E o doutor disse pra meu pai: “– O senhor vai é hoje, não pode deixar pra amanhã”.

 

Meu pai tinha um cavalo de confiança, que podia viajar dia e noite, e o cavalo não afrouxava. Meu pai montou ao cavalo às seis horas da tarde e viajou até Carangola. Antes do amanhecer, apanhou o remédio que o doutor tinha receitado. Entre meio-dia e uma hora, minha mãe já estava tomando o remédio. No decorrer de três dias, minha mãe já estava bem melhor, a dor já tinha desaparecido. Ela ainda estava bem fraca, mas, com o espaço de uns vinte dias, meu pai levou a informação de seu restabelecimento ao doutor Waldemar, que receitou fortificante pra ela tomar. E, ela ficou curada de um mal, que o doutor deu o nome de pleuris, água no pulmão.

 

O mais importante de tudo isto foi a cura de minha mãe, mas, houve um outro fato também importante. O meu pai só pagou os remédios, o doutor nada cobrou do exame e da viagem, porque era época de acontecimento político. Quem viu o Arraial do Choro, naquela época, e o vê hoje em dia abandonado, sente até vontade de chorar, assim como seu próprio nome, dado pelos fundadores do lugar: Choro.
 

quarta-feira, 27 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: RECORDANDO AS CAMPANHAS POLÍTICAS DAQUELE TEMPO


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: RECORDANDO AS CAMPANHAS POLÍTICAS DAQUELE TEMPO


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 

 


Voltando à Fazenda Cachoeira dos Pereiras. Na década de 1910, quase no final, não existia automóvel, nem estrada. O transporte era feito em carro de boi e em lombo de burros. Até mesmo os homens daquela época faziam as campanhas políticas montados em animais. Até mesmo os doutores enfrentavam aquelas estradas poeiradas no tempo da seca. E, em tempos de chuvas, atoleiros, ladeiras escorregadias, subida de morros e descida, por estradas lamacentas, pontes esburacadas, enchentes, quando havia chuvas fortes, que, às vezes, interrompia a passagem.

 

Eu era bem criança, mas recordo bem daquele tempo em que os doutores faziam a campanha política montados em burros, cavalos, e bem prevenidos. Os animais com ferraduras pregadas nos cascos, que era para não escorregar. Os arreios bem compostos, com peitoral prateado, freio com cabeçada prateada, rabicho prateado, um coxinilho grande por cima do arreio, e, os homens bem vestidos, com trajes de viajante, chapéu de lebre, com aba grande, na cabeça, paletó de caxemira, com calça-culote de brim amarelo, um lenço no pescoço com duas pontas bem compridas descendo até ao peito, calçados com botina de pelica e perneira, que era para proteger a calça-culote. Era assim que os políticos faziam suas campanhas.

 

Da cidade de Carangola até ao Alto-Carangola devia ter de oito a dez quilômetros, mas, os políticos não iam diretamente, eles iam parando, tanto nos Arraiais como, também, em Fazendas, e, até, em casa de pobre eles passavam.

 

Nós morávamos perto da estrada onde eles passavam, e nós ficávamos apreciando eles em fileira, até na virada do morro. No pé do morro, morava tio Marcolino, que muito mal assinava o nome, mas era um homem fanático por política. Sabendo que eles iam passar por ali, tio Marcolino prevenia a sua casa humilde, e ficava esperando. Quando eles iam passando, o tio Marcolino convidava-os para chegar, pra tomar um café, e eles chegavam. Não era pouca gente não. Entre doutores, e empregados, e cabos-eleitorais, devia ter umas quinze a vinte pessoas. Como eles encontravam ali, naquela casa humilde, um bom lanche: café simples, café com leite, pão de sal, biscoito de polvilho, água fresca pra beber, uma bica d’água em correnteza, aonde eles lavavam as mãos, o rosto, era tão grande a satisfação, que eles faziam até discurso naquela casa, talvez, seja por força da cana, pois o tio Marcolino não ficava sem uma cachaça da boa.

 

Dali, eles seguiam para um Arraial pequeno, aonde tinha um turco muito rico, por nome Luiz de Sales, que hospedava todos os viajantes que tratavam de negócios. E, também, em época de eleições, iam pra casa de Luiz de Sales, que era uma casa muito grande, com muitos quartos de hóspedes. Tinha também, embaixo do assoalho da casa, dois quartos bem grandes, um de guardar milho em palha, e o outro era para os viajantes guardarem os arreios dos animais.

 

Dali, eles seguiam para o Alto-Carangola, onde tinha a Pensão de Dona Mariquinha Meireles. Mas, nesse intervalo, que eles ficavam no Arraial do Choro, que era conhecido também por Arraial de Santo Antônio do Arrozal, eles visitavam Fazendas, ali perto, como a do Capitão Francisco Victor da Silva, que era conhecido como Chico Victor, a Fazenda do José Vianna, outro grande fazendeiro do lugar, e outros mais. Era assim a política daquele tempo.  

terça-feira, 26 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: DEPOIS QUE VOVÓ CHIQUINHA MORREU


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: DEPOIS QUE VOVÓ CHIQUINHA MORREU


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA
 

 
 
 


Depois que vovó Chiquinha morreu, vovô José Antônio viveu ainda doze anos. No início de sua viuvez, vovô quis ter a sua casa. Meu pai fez uma pequena casa, perto de nossa casa, e vovô passou a morar só. Mas, tia Floripes tinha muitos filhos e mandou o filho caçula, para fazer companhia a vovô. Isto foi pr’a pouco tempo. O menino não quis ficar com vovô e voltou pra casa de sua mãe. Vovô continuou morando sozinho em sua humilde casinha.

 

Mas não estava bem, vovô morando sozinho. A casa de meu pai tinha de sobra um quarto, e meu pai fez franqueza a vovô, para morar em nossa casa. E vovô aceitou, e viveu ainda mais doze anos, depois da morte de vovó. Durante esse tempo que vovô viveu em nossa casa, vovô não tinha obrigação nenhuma a cuidar. A vida de vovô era só comer, dormir, tocar viola e passear. Até a mula de vovô, nós, meninos, buscávamos no pasto. Vovô só tinha o trabalho de arriar a mula e sair pelas casas dos filhos e alguns netos casados, que todos recebiam vovô com muita satisfação.

 

Mas, quando chegava o tempo de planta de milho, vovô tinha que fazer a sua roça, ora na casa de um filho, ora na casa de outro. Vovô tinha sempre a ajuda dos netos no preparo da terra, no plantio do milho, na capina, e na colheita. Todos ajudavam vovô, só para ver ele feliz, alegre. O milho que colhia, ele vendia pra quem ele quisesse. Meu pai não exigia nada de meu avô. Vovô viveu até chegar à idade de oitenta e três anos com um espírito de jovem. No ano em que morreu, plantou a sua roça, só não pode colher, porque chegou o fim de sua vida na Terra. Sofreu uma intoxicação de urina e ele morreu num grande sofrimento.


segunda-feira, 25 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÓ CHIQUINHA CONTANDO HISTÓRIAS DA FAMÍLIA AOS NETOS


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÓ CHIQUINHA CONTANDO HISTÓRIAS DA FAMÍLIA AOS NETOS


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 

 

Vovô José Antônio de Souza Moreira fez ainda mais uma mudança pra terreno de fazendeiro. Dali, da Fazenda de Chico Victor, ele mudou-se pra uma Fazenda de João de Almeida, que tinha sido comprada de pouco de um João das Moças. Esta Fazenda, ainda hoje, fica em Vargem Grande, perto de Bom Jesus. Na época, era Joaquim de Almeida quem tomava conta da Fazenda do pai. Joaquim de Almeida considerava muito meu avô. Nesta época, tio Camilo já tinha se casado, e vovô José Antônio e vovó Chiquinha já estavam sós, os dois. Mas, mesmo assim, vovô morou nesta Fazenda cinco anos, pois a lavoura que vovô tocava era muito boa para café, e dava também mantimento. Mas vovô José Antônio não pode continuar nesta Fazenda por motivo de doença.

 

Vovó Chiquinha ficou doente e meu pai trouxe os dois pra dentro de nossa casa. Vovó conseguiu recuperar-se e ainda viveu mais uns poucos anos e morreu. Nesses poucos anos, que vovó conviveu em nossa casa, era a nossa alegria, porque vovó Chiquinha era contadeira de estórias. Quando chegava a noite, nós, meninos, nos reuníamos em seu quarto, ela, sentada na cama, contava estória muito bonita e engraçada, sempre com seu cachimbim na boca. Ela era muito calma em tudo, muito paciente e compreensiva.

 

Vovó contava também um caso verídico, que aconteceu com um tio dela por nome Joaquim. Dizia vovó que tio Joaquim, casado com tia Maria, tinha oito filhos e vivia com dificuldade. Tinha um Sítio pequeno e ele trabalhava só, pois os filhos eram pequenos e de pouca idade, não podiam ajudá-lo na roça. Tio Joaquim era muito confiado em Deus, rezava muito, mas sempre cuidando de suas plantações. Um dia tio Joaquim teve uma idéia: “Ficaria bom se eu fizesse um monhozinho aqui no meu Sítio. Que bom seria moer o meu milho no meu monho, e não ser preciso barganhar o milho em troca de fubá, deixando o lucro pra outro”. E, pensando assim, ele começou. “Primeiro, vou tirar a água, depois da água tirada, vou comprar as pedras, depois, o resto eu faço com as minhas mãos a obra. E, assim, ele começou na tirada da água, sozinho, sem a ajuda de ninguém, só pedia a ajuda de Deus. Tio Joaquim levou muito tempo na tirada da água. Quando terminou a tirada da água, ele começou no serviço de carpinteiro. Levou muito tempo também no serviço de carpinteiro. Terminou o serviço de carpinteiro, ele comprou as pedras, duas pedras pequenas, porque era um moinho de pouca água. Mas, na tirada da água até chegar ao moinho, a vala de passagem da água tinha que atravessar uma lombada, que dificultou muito o trabalho de tio Joaquim, mas, ele conseguiu a passagem da água. Assentou as pedras, nivelou tudo direitinho. Tudo muito bem, o moinho já estava pronto, moendo o milho, tava tudo como ele queria.

 

Mas, como alegria de pobre dura pouco, com pouco mais de um ano, que o moinho estava dando alegria a tio Joaquim, uma certa noite, choveu uma chuva pesada e, no outro dia, o moinho estava parado, não tinha água no moinho. Tio Joaquim coçou a cabeça, resmungou sozinho, e foi ver o que tinha acontecido. Qual foi a sua surpresa? No lugar, aonde tinha atravessado a lombada, a força da água da chuva tinha deslocado uma grande pedra, que secou a passagem da água. Tio Joaquim suspirou, queixou-se com Maria, e ela só dizia a Joaquim: “– Não tem jeito não! A pedra é muito grande e o nosso monho não vai moer nosso milho”.

 

Tio Joaquim teve uma idéia: “ – Aqui, só Deus pode me ajudar!”. E buscou, com muita fé, do fundo do coração, uma palavra de Deus. “– Deus podia mandar um raio, que rachasse esta pedra”, e foram dormir. Essa outra noite foi também uma noite de chuva pesada. No outro dia, o moinho estava rodando. Assim como veio uma chuva e tapou a passagem da água, veio outra chuva, e o raio partiu a pedra, para a alegria de tio Joaquim. Mas, não ficou nisto só não.

 

Contava minha avó que, tia Maria adoeceu, e estava mesmo para morrer, quando tio Joaquim pensou: “Como eu vou ficar sem Maria, com oito filhos menores, pois Maria não quer comer nada, já faz muitos dias, de cama, só deitada, e só dizendo que vai morrer. Não!, Maria não pode morrer. Assim como Deus atendeu ao meu pedido, mandando um raio e partindo a pedra, eu vou fazer um outro pedido: Ó, meu Deus, leva eu em lugar da Maria”. E Deus atendeu ao pedido de tio Joaquim.

 

Diziam os meus avós que, no outro dia, tia Maria disse pra tio Joaquim: “Mata um franguinho. Vou ver se como ao menos a pontinha da asa”. Tio Joaquim fez o pedido de tia Maria e ela comeu a asa do frango. No outro dia, ela já comeu mais e, no terceiro dia, ela levantou e andou um pouquinho. E foi melhorando. E, quando ela já estava trabalhando, o tio Joaquim caiu de cama e, em poucos dias, morreu o tio Joaquim. Esta história de tio Joaquim era muito comentada, por todos os que conheceram o tio Joaquim. Isto foi acontecido em Laranjal, no município de Cataguases, no Estado de Minas Gerais.

sábado, 23 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÔ TRABALHANDO E VOVÓ CHIQUINHA PESCANDO NO RIO CARANGOLA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÔ TRABALHANDO E VOVÓ CHIQUINHA PESCANDO NO RIO CARANGOLA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


 

Rio Carangola - Minas Gerais - Brasil
 
 
Com a mudança de Chico de Souza para São Pedro do Glória, meu avô José Antônio não quis acompanhá-lo. Preferiu mudar-se pra perto dos filhos, que já estavam casados e moravam em Cachoeira dos Pereiras (hoje, o lugar é conhecido como Cachoeira dos Alves). Nessa época, vovô e vovó Chiquinha estavam apenas com o filho caçula, por nome Camilo de Souza.

 

Meu pai Zeca de Souza, sendo o mais velho dos irmãos, casado com Antônia, filha de Joaquim Pereira. João, casado com Maria Cotinha (talvez, o sobrenome fosse Coutinho), filha de Antoninha, irmã de meu avô Joaquim Pereira; Maria, que foi casada com Manuel Lopes, que morreu ainda moço. Maria, depois de viúva, foi pedida em casamento por um irmão de minha mãe, por nome Joantônio, e Floripes, a caçula das filhas de vovô, também foi pedida em casamento por outro irmão de minha mãe, por nome Luiz Pereira, que era conhecido por Luizinho. Ana, a filha mais velha de meu avô José Antônio, foi a primeira que se casou com José Peroba, e estava morando na Zona Norte de Minas.

 

A tia Antoninha, que era sogra de tio João Pereira, e que ainda morava em Cachoeira, deu para meu avô Souza uma casa para ele morar, o tempo que fosse preciso, juntamente com sua família. Eu tenho ainda recordação da casa em que meu avô morou. Era uma casa modesta, de chão batido, parede de pau a pique, barreada com barro. Mas, ali, minha avó Chiquinha vivia muito contente, pois, perto, passava o rio Carangola, que era rico de peixes, e minha avó Chiquinha gostava de pescar. Todas as tardes, vovó Chiquinha tava na beira do rio pescando. E vovô José Antônio, que ainda tinha muita disposição para o trabalho, como ficava bem perto da Fazenda de tio Bastião Alves, vovô trabalhava diariamente para tio Bastião Alves, que tinha uma grande turma de trabalhadores de empregados, e os filhos, que eram também muito trabalhadores.

 

Os filhos de tio Bastião Alves tinham grande consideração por meu avô. Eles trabalhavam brincando, caçoando, o dia todo. Nas roçadas, o trabalhador tinha que ter a foice bem afiada. Aquele que não amolava a foice era castigado pela turma, os companheiros jogavam pau em cima dele. Na plantação de milho ou feijão, era dez litros de sementes para duas pessoas plantar; era a tarefa, quando acabasse o dia, tava ganho. E, assim, vovô José Antônio de Souza Moreira trabalhou na Fazenda de tio Bastião Alves por muito tempo.

 

Dali, da Fazenda de tio Bastião, vovô foi pra Fazenda de Chico Victor, pra tocar lavoura à meia. Também esta casa, que vovô morou nela, ficava pouco distante do rio Carangola, e vovó, sempre que tinha um tempinho, ficava na beira do rio, com o cachimbinho na boca. Vovó Chiquinha gostava de fazer guisado, e a comida tinha que ter bastante tempero, tinha que ser saborosa, por isso, era considerada uma boa cozinheira. Vovó sempre tinha, no fundo da lata de gordura, um bom pedaço de carne reservado. Da casa de vovó Chiquinha até a nossa casa não era muito longe, só tinha que virar um morro e chegar em nossa casa. Por isso, não precisava de companhia para vir em nossa casa.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: OS FILHOS LEGÍTIMOS DO PRIMO RICO ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E MANEZINHO, O FILHO ILEGÍTIMO


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: OS FILHOS LEGÍTIMOS DO PRIMO RICO ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E MANEZINHO, O FILHO ILEGÍTIMO


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA





 

Dizia meu avô que o compadre e primo Antônio de Souza Moreira era casado quatro vezes e teve filho com todas as mulheres, sendo que elas morriam e ele ficava pouco tempo viúvo. E sendo que ele tinha um filho natural, que era o seu primeiro filho, pois ele era ainda solteiro quando esse filho nasceu. Esse filho natural chamava-se Manoel de Souza, que tinha o apelido de Manezinho de Souza, e era filho de uma escura, empregada dos pais de Antônio de Souza Moreira. Manezinho de Souza era grande violeiro, tocava viola muito bem, tanto tocava rasgado na viola, como acompanhava cantando as suas cantigas.

 

Esse Manezinho de Souza e era o pai de tio Marcolino. O Manezinho de Souza viveu os seus últimos anos em casa de seu filho Marcolino.

 

Os outros filhos legítimos de Antônio de Souza Moreira, eu conheci quase todos. Na sede da Fazenda – eu ainda bem criança – conheci Chico de Souza, o primeiro filho nascido do primeiro matrimônio de Antônio de Souza Moreira. Morando mais acima estava Candinho de Souza; mais acima, Aprígio de Souza; e, na cabeceira do Córrego, aonde era o Sítio de meu avô José Antônio, morava Jove de Souza, que posteriormente ficou sendo dono de toda a propriedade que era de seu pai Antônio de Souza Moreira.

 

Antes de Chico de Souza vender a Fazenda para o irmão Jove de Souza, meu avô José Antônio trabalhou para ele. Meu avô trabalhou muitos anos na Fazenda do Chico de Souza, pois eles eram compadres e muito amigos. Vovô José Antônio de Souza Moreira não era considerado como empregado, pois era de toda consideração do patrão e da patroa, que era chamada comadre Maria.

 

Chico de Souza era um homem muito bravo, valente mesmo, e baderneiro. Batia com soiteira de tocar animal, dava tiros nos outros, tinha uma mula preta que entendia ele. Onde ela estivesse, ele chamava: “– Vem cá, Dióta”. A mula vinha. Chico de Souza era muito vaidoso, além de Dona Maria, que era a esposa, ele tinha outras mulheres por fora. Mesmo na Fazenda, tinha “amiga” [amante], e quem sofria com isso era Dona Maria, que não podia falar nada contra a vida do marido.  Minha mãe, que era comadre de Dona Maria e muito sua amiga dizia que, várias vezes, ouviu Dona Maria dizer para ela: “– Comadre Antoninha, eu tenho fé em Deus que, um dia, o Chico haverá de ser meu só!” Parece que Deus ouviu aquela mulher tão sofrida. Chico de Souza foi fracassando nos seus negócios, até que foi preciso vender a Fazenda para o irmão Jove, que não só comprou a Fazenda do Chico, comprou também a do irmão Candinho e do irmão Aprígio. Esta grande Fazenda ficou de herança pros filhos de Jove e, hoje em dia, é dos netos de Jove de Souza.

 

Chico de Souza ainda viveu muitos anos ao lado de Dona Maria, sua esposa legítima. Vendeu a Fazenda e ainda sobrou algum dinheiro, o qual deu para comprar um Sítio bem grande. Nesse Sítio havia uma grande casa de moradia e grande área de terra para plantações de cereais. Não eram terras boas para plantação de lavouras de café, era um terreno frio, mas muito bom para frutas de todas as espécies. Chico levou também o filho casado por nome Levino e quatro filhos solteiros. Tinha outros filhos casados, bem situados, que não precisaram acompanhá-lo. Chico de Souza deixou a vaidade, deixou também a valentia. Sendo um bom administrador, começou uma nova vida. Os filhos, na plantação de cereais. Em casa, ele, Dona Maria e Virgínia, uma sua filha que ficou solteirona, porque amava apaixonadamente um mulato, que era tropeiro de seu pai, quando era rico, e, seu pai, não deixou que o casamento fosse realizado. O mais importante desta história é que o tropeiro, mesmo sabendo que o patrão não deixava o casamento ser realizado, porque, além de ser pobre, cor bronzeada, era também empregado do pai da moça, mesmo assim, acompanhou a mudança de Chico de Souza até chegar em São Pedro do Glória, um alto de serra. O tropeiro era mesmo trabalhador. Em pouco tempo, tropeiro, já tinha a sua tropa de burros, e mesmo sabendo que não casava com Virgínia, ajudou o ex-patrão, em suas necessidades. Os irmãos e amigos também ajudavam Chico de Souza.

terça-feira, 19 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO E O PRIMO RICO ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO E O PRIMO RICO ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA






Voltando ao meu avô, por parte de pai, José Antônio de Souza Moreira. Dizia meu avô que, quando ele deixou Laranjal e veio morar em Divino de Carangola, ele não tinha recurso necessário para movimentar o seu Sítio e fazer a produção crescer. Precisava de alguém que lhe desse a mão. 

 

Ele tinha um primo rico, por nome Antônio de Souza Moreira, dono de uma grande Fazenda, que fazia divisa com a de meu avô, e que foi o mesmo que influiu meu avô para a compra desse Sítio. Então meu avô José Antônio procurou o primo Antônio de Souza Moreira e fez a proposta ao primo, dizendo que estava precisando de uma pessoa amiga, que pudesse emprestar a ele uma certa quantia de dinheiro, que era para movimentar o sítio e fazer plantações de café e todos os cereais, incluindo fumo. O primo Antônio de Souza Moreira concordou em fornecer a meu avô o que fosse preciso. Aí, meu avô começou a apanhar dinheiro e, até, algum mantimento, porque meu avô tinha vendido tudo o que possuía para poder comprar o Sítio e fazer a mudança.

 

Passado o primeiro ano, meu avô José Antônio não foi feliz na sua colheita. Ele separou da colheita os mantimentos da despesa de casa, e o restante que sobrou não deu para saldar a dívida. O primo Antônio de Souza Moreira não fez questão nenhuma, sempre dizendo: “– Primo Zé, o que ocê precisá, pode buscá. Eu tenho confiança em ocê, pois conheço ocê desde Laranjal, sei que ocê é homem direito e cumpridor de sua palavra”.

 

Veio o segundo ano, e a mesma coisa. E o terceiro ano, tudo do mesmo, aquela dívida sempre enrolada. E foi acumulando, até que um dia, o primo rico disse pra meu avô: “– Compadre Zé, ocê não vai poder me pagar a conta, que já anda muito alta. Agora eu preciso receber, não posso esperar mais”. Eles já eram até compadres, pois vovô casou uma das filhas e convidou o primo para ser testemunha do casamento. Aí, vovô pediu a ele que esperasse mais um pouco, porque não dava para pagar toda a dívida, mas o primo e compadre Antônio de Souza Moreira não aceitou proposta nenhuma de meu avô José Antônio, queria mesmo era o pagamento da dívida. Meu avô ficou muito aborrecido, porque teria de entregar o Sítio e ser obrigado a trabalhar de meeiro, tocando lavoura à meia com os fazendeiros. Com a compra do Sítio de meu avô, o compadre Antônio de Souza Moreira ficou mais rico ainda, mas foi por pouco tempo, ele morreu, deixando uma grande fortuna para os muitos filhos.
 

segunda-feira, 18 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A AVENTURA DE TIO MANOEL PEREIRA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A AVENTURA DE TIO MANOEL PEREIRA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA



 
 

Voltando à família João Pereira da Cunha, o Barba de Argolão. Desta vez, quero falar sobre Manoel Pereira, um irmão de meu avô Joaquim Pereira da Cunha. Eu ainda era bem criança quando ouvia falar sobre uma aventura de tio Manoel Pereira. Ele era casado com tia Rosalina, com quem teve muitos filhos.

 
Eu não conheci todos os filhos de tio Manoel Pereira, porque, quando eu nasci, tio Manoel já tinha se mudado pra Zona Norte de Minas. Mas eu conheci três dos filhos de tio Manoel Pereira: O mais velho por nome Francisco Pereira, Antônio Pereira e Reinor Pereira. Conheci também tio Manoel Pereira. Por duas vezes, ele veio passear em nossa casa, em Cachoeira dos Pereiras, hoje conhecida como Cachoeira dos Alves. Tio Manoel Pereira não era um homem forte como era o meu avô Joaquim Pereira, tio Manoel era franzino de corpo, de estatura média.  Tia Rosalina, esta eu não conheci, mas sempre ouvia falar sobre ela e tio Manoel Pereira, que viviam muito felizes, porque um entendia o outro muito bem.

 
Certa vez, tia Rosalina desejou beber água do tombo da cachoeira. Para ela, aquela água era mais gostosa, mais saborosa do que todas as águas. Em princípio, tio Manoel procurou convencê-la, que era impossível satisfazê-la, pois corria o risco de ele morrer e ela ficar viúva. Mas não adiantou nada, e ela sempre insistindo com ele. Até que ele resolveu arriscar a vida, para satisfazê-la. Então, ele pediu auxílio aos irmãos, que colaboraram com ele. Fizeram cordas bem reforçadas, amarraram as cordas pela cintura de Manoel, e ficaram segurando, com toda a força que possuíam, enquanto Manoel descia, na correnteza das águas, até chegar aonde ela dizia: “– É aí. É desta água que eu quero beber!” Os irmãos puxaram as cordas e retiraram ele, que trazia, em uma vasilha, aquela água, que a sua mulher desejou beber.

 
Mas, eu tenho cá pra mim, que o tio Manoel Pereira não gostou dessa aventura, talvez preocupado com a possibilidade de ter que repeti-la. Podia ser que a tia Rosalina tivesse outro desejo de beber daquela água tão clarinha, e ele, para satisfazê-la, fosse obrigado a descer novamente no tombo da cachoeira. Por isso, ele tratou de mudar-se. Todos os parentes diziam que o tio Manoel trocou o Sítio por uma égua e um cacho de banana, e logo se retirou da localidade Cachoeira.
 

domingo, 17 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOLTANDO À FAMÍLIA PATERNA SOUZA MOREIRA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOLTANDO À FAMÍLIA PATERNA SOUZA MOREIRA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 
 


Voltando à família Souza Moreira. Quase no final do século XIX, quando meu avô José Antônio de Souza Moreira deixou Laranjal e foi morar em Divino de Carangola, Zona da Mata, em Minas Gerais, o tio Zeca Moreira, que era casado com Maria Dussanto, irmã de meu avô Souza, também se mudou para a Zona da Mata. Tio Zeca Moreira comprou uma Fazenda pouco acima de Divino de Carangola, juntamente com tia Dussanto, como era chamada pelo meu pai. Levaram também a minha avó-bis Severina, que era a mãe de tia Dussanto. Eu tenho algumas recordações de como era a minha avó-bis.

 

Meu pai Zeca de Souza comprou dois carros de milho em palha de tio Zeca Moreira. No dia em que foram buscar o milho, eu pedi a meu pai para ir também. Embora eu fosse um menino, bem criança, podia ter cinco ou seis anos de idade, meu pai consentiu que eu fosse. Os carreiros eram dois irmãos, Juca Schetine e Agripino Schetine, e meu pai e eu fomos dentro do carro. Assim que chegamos na Fazenda do tio Zeca Moreira, meu pai, os carreiros e os filhos de tio Zeca foram apanhar o milho na roça. Eu fiquei em casa, porque era ainda muito pequeno para andar em mato. Aí, eu fiquei conhecendo a mãe de meu avô, que meu pai sempre falava nela, a vovó Severina.

 

Depois da morte de seu pai José de Souza Moreira, vovó Severina ainda viveu em companhia dos filhos, em Laranjal, mas, com quem ela se dava mais, era com a filha Dussanto. Quando o tio Zeca Moreira deixou Laranjal e veio morar em Divino do Carangola, vovó Severina veio com ele. Já com bastante idade, ela não gostava de ficar sem um serviço. Nos fundos da casa havia uma grande varanda, e ali era aonde vovó Severina trabalhava. O serviço dela era só fazer sabão. Havia uma fornalha feita de pedra e barro, um tacho de cobre assentado em cima da fornalha cheio de torresmo ou sebo de boi, um barreleiro cheio de cinza, com água pingando, adequada, que era para cortar a gordura do sabão, e vovó Severina tinha um tamborete de madeira, onde ela ficava sentada, mexendo o sabão até chegar ao ponto certo. Vovó Severina era baixinha, de olhos azuis, cabelos lisos já bem branquinhos, alegre, conversava muito. Fiquei muito tempo ao lado dela, apreciando como ela mexia o sabão.

 

Depois, eu fui até ao engenho de cana movido a água. Estava ali alguns dos filhos do tio Zeca Moreira, com os empregados, fabricando rapadura. Até hoje em dia tenho recordação, como as canas caianas (canas de Caiena) eram macias, para chupar o caldo. Era uma Fazenda de muita fartura.

 

Quando os dois carros chegaram cheios de milho em palha no terreiro da Fazenda, e os carreiros soltaram os bois, para descansarem e beber água, tio Zeca chamou meu pai e os carreiros para o almoço.

 

Tio Zeca Moreira estava naquele dia muito contente, conversando com meu pai e os dois moços carreiros, filhos de um grande amigo do tio Zeca Moreira. O pai desses moços, que foram fazer esse carreto para meu pai, chamava-se Jenuário Schetine, mas era conhecido por Jenuarinho. Jenuarinho era compadre de meu pai e muito amigo da família. Assim que os bois descansaram, os dois moços pegaram os bois, despediram-se, e voltamos com os carros, cantarolando estrada a fora.

 

Quando chegamos em frente à Fazenda de tio Bastião Pereira, tio de minha mãe, já estava anoitecendo. Naquela época, não havia estrada boa, eram subidas e descidas, cheias de curvas, atoleiros, pontes de madeira de paus roliços. Ao passar por cima de uma ponte, que cobria o rego d’água do moinho de tio Bastião Pereira, o carro do Juca, muito pesado, abalou a ponte, a ponte começou a desmanchar. O carro do Agripino vinha atrás e, quando chegou em cima da ponte, as madeiras roliças se juntaram na frente das rodas do carro de bois, e carro tombou, esparramando milho por todos os lados. Isto já era noite. Levantaram o carro, acertaram a esteira do carro, que, com o tombo, tinha sido arrancada do carro, com os fueiros, e começaram a carregar o milho pra dentro do carro.

 

Nesta hora, chegou um filho de tio Bastião Pereira, por nome João Pereira, o mais velho dos irmãos, e disse para meu pai: “– Ocês ainda não jantaram, devem estar com fome!” Meu pai disse ao João Pereira: “– Nós ainda não jantamos, mas nós vamos jantar em casa. Se ocê quiser dar comida ao meu menino, eu aceito”. Aí, João Pereira me levou até a casa dele e mandou a mulher, por nome Filomena, arranjar um prato de comida pra mim. A comida estava muito boa, mas a linguiça estava apimentada, e eu não gosto de pimenta, mas a fome era tanta que eu comi a comida toda, e, até hoje, relembro aquela comida tão boa.

sábado, 16 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: APRENDENDO MÚSICA COM O PROFESSOR VIEIRA E COM O PROFESSOR ALTIVO


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: APRENDENDO MÚSICA COM O PROFESSOR VIEIRA E COM O PROFESSOR ALTIVO


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


 
 

Minha mãe trabalhava cantando, pois gostava de música, e sempre dizia que tinha vontade de ter um filho músico. Um dia chegou em nossa casa Antônio Vieira de Barros, muito amigo nosso, e me fez convite para fazer parte em um conjunto de alunos, aos quais ele estava ensinando música. Eu dizia que não estava interessado em aprender música, que a minha vida já tinha mudado, pois eu já estava casado e não podia assumir outros compromissos. Mas ele sempre insistindo comigo, que não me cobrava nada, era só duas vezes por semana de aula, o estudo era de noite. Aí, minha mãe entrou no assunto e disse-me: “– Aceita este convite. Eu sempre tive vontade que um filho meu aprendesse música e, hoje, surgiu a oportunidade”.

 

Com esse pedido que minha mãe me fez, eu comecei a estudar música, aos vinte e seis anos de idade. As aulas eram em casa do professor Vieira, em um Arraial distante, três quilômetros de distância. Era só quartas e sábados da semana, mas mesmo assim era um sacrifício, pois eu trabalhava na roça, e, quando chegava o dia de aula, mesmo cansado de puxar a enxada o dia todo, tinha que caminhar a pé três quilômetros, ida e volta.

 

No início começamos com poucos alunos, até conhecermos os valores das notas, dos espaços e cantar corretamente a escala. A maioria dos alunos era os filhos de um fazendeiro, por nome Pedro Alves, que vendo os filhos, netos e sobrinhos bem desenvolvidos no conhecimento da música interessou-se em comprar os instrumentos para todos os alunos. O professor Antônio Vieira de Barros era um homem prático em viagens, conhecia bem o Rio de Janeiro, e foram os dois, o Pedro Alves e o professor Vieira, ao Rio de Janeiro comprar instrumentos para todos os alunos.

 

Para mim trouxeram um pistom. Como eu não conseguia tocar pistom, fizemos uma troca. Um colega, que tinha ganhado um trombone, me fez proposta de trocar o trombone pelo pistom, e eu aceitei o negócio, e comecei a tocar trombone. As aulas posteriores já não eram em casa do professor, passou a ser em casa do fazendeiro Pedro Alves, que ficou entusiasmado por ver os filhos, netos e sobrinhos e empregados, todos reunidos, na mais perfeita harmonia, tocando dobrados, alguns choros e algumas valsas.

 

E, aí, algum tempo depois, Antônio Vieira de Barros, o professor, disse para Pedro Alves, e todos os filhos, e todos os alunos: “– Eu já não tenho mais recurso de conhecimento de música para ensinar vocês, é preciso contratar um mestre, que tenha mais capacidade que eu, para a continuação do ensino, e eu fico como aprendiz”. E, assim, combinaram em buscar um professor por nome Altivo, que morava em São Domingos de Abrecampos, um senhor que aparentava ter cinquenta anos de idade.

 

O senhor Altivo era muito competente para ensinar, e bem conhecedor de música, bastante enérgico com os alunos, e tocava clarinete muito bem. Mas não há bom sem defeito. A banda já estava sendo chamada para tocar em festa religiosa, em festejo político, em acompanhamento fúnebre.

 

Quando o Divino de Carangola foi promovido à categoria de cidade, tocamos também. O primeiro prefeito de Divino foi o Dr. José Tavares, um moço ainda bem jovem que veio de Belo Horizonte para comandar o município divinense. Depois de José Tavares, tocamos na festa da posse de Dr. Júlio, que foi uma grande festa, porque era uma pessoa do lugar. Não só a banda dos Alves, como era chamada a nossa banda, como também a banda dos suíços, comandada pelo senhor Petí, que era também o dono da banda, por ter os filhos e empregados todos tocando. O mestre Ludovino, um senhor mestre, muito entendido em música, à frente, tocando contrabaixo.

 

Na praça, em frente à Igreja, foi o encontro das duas bandas, disputando uma com a outra, e o povo aplaudindo. Quando uma parava de tocar, a outra entrava em cena. Isto durou de duas a três horas, depois fomos almoçar e descansar, para de noite tocar mais.

 

O defeito do professor Altivo era beber cachaça, era preciso ser vigiado pelos alunos. Aonde ele ia, disfarçando, para ver se encontrava algum botequim para beber cachaça, a turma ia todos atrás dele. Por ser um bom mestre de música, ele lecionou alguns anos. Já tendo um dos alunos que podia substituí-lo, despacharam o mestre Altivo. Ficou, em seu lugar, um dos alunos, o caçula dos irmãos Alves, dirigindo a banda. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEUS PAIS ZECA E ANTONINHA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEUS PAIS ZECA E ANTONINHA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


 
 


Meu pai Zeca de Souza sempre vinha à casa de meu avô Joaquim Pereira para ver minha mãe. E, não demorou muito tempo, minha mãe foi pedida em casamento pelo meu pai. O pedido foi aceito pelo meu avô, que ainda não estava doente da cabeça, Meu avô Joaquim Pereira e minha avó Maria Brasilina, pais de minha mãe Antoninha, marcaram o casamento para o mês de janeiro de 1899, quase no final do século XIX.

 

Meu pai Zeca e minha mãe Antoninha eram casados só no eclesiástico, porque, naquela época, não existia casamento no civil. Foram pais de doze filhos, todos registrados como filhos naturais. Meu pai, por várias vezes, quis legitimar os filhos, mas minha mãe não concordava em tornar a casar. Por isso, ficamos todos como filhos naturais.

 

Meu pai tratava os filhos com muito respeito e severidade, e minha mãe não era assim tão severa. Meu pai fumava cigarro de palha de milho, mas nunca deu licença de filho fumar. Teve uma noite que ele foi ao meu quarto, quando eu já estava deitado, fumando um cigarro muito distraído. Quando ele entrou e falou comigo, eu estava com a boca cheia de fumaça, mas não adiantou nada, a fumaça saiu pelas narinas. Isto, eu já estava com vinte e um anos.

 

Já minha mãe era mais camarada com os filhos. Minha mãe também fumava, e dava cigarro aos filhos, e quando ela não tinha fumo, pedia aos filhos. Minha mãe era costureira, fazia roupa para homem e para mulher, mas o que ela gostava era de fazer roupa de homem. Tinha uma máquina Singer de sete gavetas, sendo três de cada lado e uma de frente com três repartições. Antoninha, minha mãe, tinha uma grande freguesia, vinha gente de longe trazendo pano de brim amarelo para fazer terno. Era o que se usava mais para homem. As mulheres traziam fazendas de tricoline, chita e até seda. Minha mãe tinha o maior cuidado em fazer as roupas. Primeiro tinha que molhar o pano, porque tinha pano que encolhia. Muitas das vezes, ela queria recusar algumas costuras, porque já tinha demais pra ela fazer, mas os fregueses imploravam, até que ela aceitava, mas sem compromisso. Isso era em ocasiões de festas, e, assim, ela ficava sentada em um topo de madeira roliço. O dia era pouco pra ela trabalhar, inteirava com a noite, das quatro horas da madrugada até às dez horas da noite. Fora dessas ocasiões, não tinha tanto serviço, mas ela costurava diariamente, não fazia outra coisa, até a comida ia pra ela na máquina.
 

quarta-feira, 13 de março de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A PRIMEIRA VISITA DA FAMÍLIA SOUZA À FAMÍLIA DE JOAQUIM PEREIRA DA CUNHA


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A PRIMEIRA VISITA DA FAMÍLIA SOUZA MOREIRA À FAMÍLIA DE JOAQUIM PEREIRA DA CUNHA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


 

 
Sendo meu pai Zeca de Souza o filho mais velho de José Antônio de Souza Moreira, e já rapaz formado, começou a frequentar as residências dos vizinhos que tinham moças na idade de casar. Ele viu minha mãe pela primeira vez na casa de um tio dela, por nome Joaquim Alves, que era vizinho de meu avô José Antônio. Joaquim Alves era irmão de minha avó materna Maria Brasilina. Desse encontro de meu pai e minha mãe, começou o romance. A amizade entre Pereiras e Souzas ia aumentando cada vez mais, e meu avô José Antônio foi convidado para uma batucada em casa de meu outro avô Joaquim Pereira da Cunha, pai de minha mãe. Meu avô Souza aceitou o convite e veio com toda a família, e, chegando em casa de meu avô Pereira, encontrou-se com outros violeiros e a batucada começou.

 

A família Alves, composta pelos irmãos de minha avó Maria Brasilina, e a família Pereira, da parte de meu avô Joaquim, todos com os olhos fixos em meu avô Souza, violeiro e cantador, homem animado. Naquele entusiasmo, meu avô, cantando, errou um verso, mas emendou rapidamente, e cantou assim: “Este verso eu errei, eu bem sei aonde errei. No abrí fechá da boca, do meu amor alembrei”.  E dizia minha mãe que o povo, que estava apreciando meu avô Souza tocar viola e cantar, ficou acenando com a cabeça e dizendo uns para os outros: “– É!, o homem é violeiro de verdade!” E, assim, passaram aquela noite em harmonia e, ao amanhecer do dia, meu avô Souza, vovó Chiquinha e os filhos voltaram para o Sítio, aonde residia toda a família.