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sábado, 15 de outubro de 2011

GILBERTO MENDONÇA TELES, O POETA SINGULAR - ANÁLISE DO POEMA "ABSOLUTO"

GILBERTO MENDONÇA TELES, O POETA SINGULAR - ANÁLISE DO POEMA “ABSOLUTO”

NEUZA MACHADO
 


Esta análise do poema “Absoluto” faz parte do livro Criação Poética: Tema e Reflexão: Sobre a obra poética de Gilberto Mendonça Teles.


MACHADO, Neuza. Criação Poética: Tema e Reflexão. Rio de Janeiro: NMACHADO, 2005.


(Apreciem o esquema do poema "Absoluto" no final do capítulo)


ABSOLUTO


Gilberto Mendonça Teles


O rio deste quarto não tem margens,
mas serve de limites. Não tem águas,
mas lava nossa sede. Não tem foz,
mas chega a seu destino antes de nós.


O rio deste quarto tem a graça
de correr para dentro: é pura mágoa,
fina sombra no leito sem lençol
modelando o remorso deste anzol.


O rio deste quarto só tem peixes
encantados, que nadam nas paredes
e atravessam meu sonho na mudez
das formas sem reflexo e nitidez.


O rio deste quarto não tem fundo
nem corre à superfície. Não tem dono
nem reparte seus bens. Mas pode mais
que a cicatriz no peito dos rivais.


O rio deste quarto tem meandros
e melindres. Seu nome vai passando
absoluto e plural, aluvião,
remanso de silêncio e solidão.


(TELES, Gilberto Mendonça. Hora aberta. (Poemas reunidos). 3. ed., Rio de Janeiro: José Olympio / Brasília: INL - Instituto Nacional do Livro, 1986 (Edição Comemorativa dos Trinta Anos de Poesia).



O Absoluto como última fronteira poética:


No poema “Absoluto” (Hora Aberta, 1986), Gilberto Mendonça Teles procura significar este espaço recôndito e misterioso, onde se encontram latentes o Amor, a Poesia, os sentimentos indizíveis acessíveis a uns raríssimos privilegiados. O poeta faz parte de um pequeno grupo de iniciados, capacitados para vislumbrarem além de suas fronteiras. No poema “A Pedra”, já informava de sua condição meio oscilante, habitante de dois mundos ao mesmo tempo, e, assim, um Ser conflituado. Ao longo do poema (o primeiro aqui analisado), fez conhecer a sua condição de lapidador de um material muito precioso. Em “&Cone de Sombras” (o segundo poema aqui analisado) procurou significar o processo deste trabalho, o qual chamou de manifestação do amor; esta manifestação do amor significando o próprio texto poético, ou seja, no poema assinalado o texto poético é caracterizado como CONE, junção de ÍCONE e CONE, ou uma simples figuração do descontínuo. Penso fenomenologicamente que descontínuo caracteriza, por sua vez, a ideia de ABSOLUTO. Posteriormente (no terceiro poema aqui analisado), Gilberto fez conhecer também, por intermédio do sujeito de sua enunciação poética, as dificuldades para se decodificar o CONE, e mesmo o ÍCONE que subjaz no CONE. Para tal empresa, alertou para a necessidade de se possuir uma aguda PERCEPÇÃO. Os empecilhos, para tal empreendimento, são inúmeros; há “cercas ideológicas" impedindo o desbloqueio da visão. Só os poetas possuem tal privilégio (de desbloqueio da visão) e ele é um deles. Enquanto criador de poesia, enquanto plenipotenciário do fazer poético, ele já passou por todas as etapas e agora, neste poema em especial, se encontra ilhado, em seu quarto, de onde vislumbra tudo, o mundo conceitual e o plano das ideias ainda não formalizadas, por meio de uma misteriosa tela, panorâmica e transcendental. Agora, o poeta se encontra confortavelmente instalado em um espaço sui generis, onde se desconhecem as exigências da realidade concreta. Não é um mundo irreal, mas também não é o mundo real. Este espaço singular de Gilberto Mendonça Teles é formado por uma IRREALIDADE OBJETIVA, consequentemente não é um espaço não-palpável. O próprio sujeito da enunciação poética, submetido à consciência pura do Poeta (vide Gaston Bachelard), afirma que, em um quarto hipotético, há um rio, e que este rio não tem margens, mas serve de limites. O rio não tem água, não tem foz, não tem fundo, não corre à superfície, não tem dono, nem reparte seus bens; vários sememas que autorizam-me a pensar em um “rio negativo” (referente), levando-me a um sema isotópico que caracterizo como IRREALIDADE OBJETIVA.


Outra característica marcante desse "rio", rio que se encontra em um quarto, é que, mesmo possuindo uma IRREALIDADE OBJETIVA estranhíssima, esse mesmo "rio" possui mais algumas características também muito singulares, mas já classificadas dentro de um outro referente. Apesar de ser apenas um, esse "rio" é também positivo, assim, o referente “rio” é bipartido em positivo e negativo. Esse "rio" especialíssimo possui um “sema isotópico” que classifico como IRREALIDADE OBJETIVA, mas possui também um outro “sema” que qualifico como REALIDADE SUBJETIVA. Como detectar a realidade subjetiva desse “rio” gilbertiano? Esse “rio” diferenciado, apesar de não possuir margens, não ter águas, não ter foz, tem a graça de correr para dentro, possui sentimentos, porque é pura mágoa; o “rio” sente remorsos, porque personifica os sentimentos interiores daquele que recebeu a incumbência de revelar os segredos do “indizível”. Esse “rio” insólito, apesar de não ter águas, tem peixes encantados; mesmo aparentemente frágil, é um “rio” que pode mais que a cicatriz no peito dos rivais. Esse “rio” gilbertiano nos faz lembrar do "&Cone de Sombras", essência singularíssima do poético, porque este “rio” incomum possui meandros e melindres.


Esse distinguido “rio”, que se encontra situado em um quarto, mesmo sem águas, mata a nossa sede, mesmo sem foz, chega a seu destino antes de nós. É um “rio” que expressa a realidade de nossos sonhos, mais ainda, expressa a realidade do sonho do Poeta, porque, logo depois, ele deixa de lado o pronome nós, enquanto ideia de coletividade, usado no início, e revela a sua condição de único dono desse espaço transcendental.


O rio deste quarto só tem peixes
encantados, que nadam nas paredes
e atravessam meu sonho na mudez
das formas sem reflexo e nitidez.


Esse “rio” do poeta goiano não significa um rio qualquer, não expressa um referente ligado à realidade tangível. Está localizado em seu imaginário particular, lugar onde se concentram cotas de lenda em conta-gota, em que se fundem a realidade e os "sonhos retos do amanhecer" (Bachelard). A IRREALIDADE OBJETIVA e a REALIDADE SUBJETIVA – unidas – formam um só plano semântico. As duas realidades servem de base para estruturar um “sema isotópico maior”, aqui denominado como SUPRA-REALIDADE. O Absoluto vigora nesse espaço suprarreal. O Absoluto é o ÍCONE (POSITIVO) em toda a sua grandeza, é a própria essência do Amor, da Poesia, da Musa, seja qualquer denominação que possa revelá-lo na parte visível do pergaminho, no momento da intuição da Poesia.


Esquema analítico do poema ABSOLUTO



(clique na página para aumentá-la)

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