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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

CELSO FURTADO: INTRODUÇÃO AO LIVRO OS ARES DO MUNDO

CELSO FURTADO: INTRODUÇÃO AO LIVRO OS ARES DO MUNDO

NEUZA MACHADO



O texto de Celso Furtado, destacado como Introdução ao seu livro Os Ares do Mundo, foi escrito em dezembro de 1990. Já se passaram vinte anos, a partir da primeira edição, e os pensamentos do autor ainda vêm a propósito. 

Neste momento em que iniciamos o ano de 2012 como testemunhas de um escândalo político que afeta as bases da direita brasileira, mas não deixando esse dito escândalo de respingar também gotículas vergonhosas em alguns politiqueiros da chamada esquerda brasileira (o escândalo que se denominou em 2011 “Privataria Tucana”), percebo que seria de muita utilidade aos jovens estudiosos da História do Brasil, dos anos sessenta para cá, um envolvimento reflexivo com os pensamentos de Celso Furtado sobre os problemas que se cristalizaram no Brasil da ditadura e da pós-ditadura. Tais problemas, decorrentes da submissão de nossos políticos, militares, historiadores e pensadores, foram denominados com muita precisão (pelo mesmo Celso Furtado) de “colonialismo mental”, um fatídico colonialismo que, aqui, no vasto território brasileiro, infelizmente, ainda hoje, está difícil de ser extirpado das salas de aula das Escolas iniciais e secundárias e, principalmente, das Instituições de Ensino Superior .

Na impossibilidade de apresentar-lhes o todo do conteúdo do livro, transcrevo neste meu blog apenas a Introdução, com a plena certeza de que os que lerem este instigante texto buscarão adquirir o referido livro de Celso Furtado (seja novo ou já manuseado), para que possam entender, os jovens de hoje, mais um pouquinho da grave e problemática politicagem subalterna que ainda persiste no Brasil. Infelizmente, tal politicagem persiste, mesmo com a sociedade brasileira constatando gradativamente o grande avanço sócio-econômico dos anos finais do Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e agora culminando satisfatoriamente pelas mãos firmes da Presidenta Dilma Vanna Rousseff (administração econômica bem sucedida e jamais imaginada nos governos de direita que os antecederam).

Para os leitores deste meu blog que se interessarem em compreender as sábias reflexões de Celso Furtado, editadas em 1991, publico aqui a Introdução do livro Os Ares do Mundo, pedindo-lhes que, a partir da leitura consciente que fizerem, possam refletir sobre os atuais acontecimentos sócio-políticos que incomodam a maior parte dos brasileiros, os quais já possuem conhecimento do que aconteceu no passado e o que agora acontece no Brasil.


INTRODUÇÃO

Celso Furtado

(Conferir: FURTADO, Celso. Os Ares do Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: 13 - 16)

Na linha de minhas duas Fantasias [livros de Celso Furtado], o presente volume reúne textos que se relacionam com experiências pessoais e reproduzem reflexões sobre a problemática desenvolvimento-subdesenvolvimento, a cujo estudo dediquei o essencial de minha atividade intelectual. Textos há que se situam em sua integralidade em um ou outro desses dois polos, mas a intenção predominante foi abarcar sempre as duas vertentes.

A parte I se refere ao período que se seguiu ao golpe de Estado de 1964. A saída para o Chile deu-me oportunidade de retomar de imediato a atividade intelectual no âmbito da América Latina. Mas minha experiência recente no Brasil convencera-me de que o de que mais necessitávamos era uma melhor compreensão das transformações que estavam ocorrendo nos Estados Unidos, dado que esse país assumira na plenitude o papel de centro mundial do poder. A força gravitacional que exerce esse centro sobre os países latino-americanos crescera tanto, que se tornara impraticável captar o sentido do que nestes ocorria se não dispuséssemos de hipóteses com respeito ao comportamento do sistema de poder norte-americano. Este ganhara tal complexidade – suas ramificações abrangiam muito mais do que as instituições políticas – que de quase nenhum alcance para compreende-lo eram os conhecimentos tradicionais de teoria do Estado. As velhas ideias sobre imperialismo, fundadas nas rivalidades entre Estados nacionais manipulados por interesses econômicos, eram de pouca valia para entender a ação transnacional das grandes empresas que entrelaçam os circuitos econômicos e financeiros nacionais. Daí que a Parte II seja uma incursão no vasto processo histórico que produziu a especificidade norte-americana – primeira economia a se planetarizar. O projeto original era tratar exaustivamente o fenômeno norte-americano, visando a contribuir para que nos países latino-americanos se criem institutos de pesquisas e cursos universitários dedicados a seu estudo. As circunstâncias, conforme se verá, levaram-me a modificar esse projeto e antecipar o meu traslado para a Europa. Contudo, considerei conveniente incluir no texto o essencial do material preparado no quadro dessa pesquisa.

Na segunda metade de 1965 inicio minhas atividades universitárias em Paris. A energia com que de Gaulle acabava de liquidar os restos do colonialismo francês e enfrentava o hegemonismo norte-americano abrira à França um espaço na arena internacional que ela se apressava em ocupar. Paris se transformara no polo de atração de todos os movimentos de liberação ou de contestação da vasta e heterogênea área que começava a ser referida como Terceiro Mundo. Sem lugar à dúvida, vivíamos um desses períodos excepcionais da História em que as utopias desempenham um papel de relevo no desenho do destino dos povos. Uma mensagem política emitida em Paris, nessa época, obtinha facilmente grande repercussão. Os livros aí publicados eram rapidamente difundidos em vastas áreas do mundo. Logo percebi que era importante repensar as estruturas de poder em sua nova configuração mundial e escapar aos chavões das doutrinas recebidas do século XIX; mas não menos urgente era fazer com que as ideias renovadoras se difundissem eficazmente. Com o passar do tempo, dera-me conta de que a fraqueza maior do Terceiro Mundo estava no plano das ideias: éramos colonizados mentalmente, por um lado, e por outro permanecíamos prisioneiros de velhas doutrinas “revolucionárias” que haviam passado de moda nos centros metropolitanos. A esses anos de febril atividade intelectual e de buscas de novas pistas refere-se a Parte III, anos em que se agudiza no Brasil a reação contra o pensamento crítico independente. Também estão aí reunidas observações que tive oportunidade de fazer em países que lutavam para liberar-se dos grilhões do subdesenvolvimento, e o registro de minha participação em debates ocorridos na época em que foi maior a esperança de reconstrução da ordem econômica mundial. Esses textos estão datados quando reproduzidos em sua forma original.

As lutas sociais do século XX são caudatárias de ideologias concebidas nos dois séculos anteriores, particularmente no XIX. Em torno desse tema elaborei um ensaio que se destinava a fundamentar uma investigação sobre as experiências contemporâneas de reconstrução voluntarista das estruturas sociais. Esse ensaio teórico abre a Parte IV, dedicado ao que chamei de “experiências de engenharia social”. As observações que fiz em alguns países que se empenhavam em reconstruir suas estruturas sociais são apresentadas na forma original, com as datas respectivas. Por todas as partes, pude comprovar que a um período inicial de entusiasmo seguia-se a frouxidão, e mesmo a esclerose, sendo mínima a participação da cidadania na gestão da coisa pública e no controle dos que exercem o poder.

Minha longa vivência das atribulações dos países que ficaram presos na armadilha do subdesenvolvimento levou-me à convicção de que o esforço requerido para daí escapar é de tal monta, que somente a formação de um amplo consenso nacional poderá fazê-lo viável. Ora, um consenso dessa ordem dificilmente pode emergir e perdurar em uma sociedade altamente estratificada e na qual os grupos dominantes possuem poderosos aliados externos. Por outro lado, a imposição a imposição de mudanças estruturais por uma minoria, qualquer que seja sua orientação ideológica, tende a engendrar uma burocratização das engrenagens do sistema de poder de difícil reversibilidade. Os casos em que circunstâncias externas forçaram e tornaram possível a modernização das estruturas sociais são exceções que confirmam a regra.

Somente uma sociedade aberta – democrática e pluralista – é apta para um verdadeiro desenvolvimento social. Mas como desconhecer que nos países do Terceiro Mundo – dadas as condições atuais de entrosamento internacional dos sistemas produtivos e dos circuitos financeiros – as estruturas de privilégios praticamente são irremovíveis? Empiricamente se comprova que nos países ricos a sociedade é cada vez mais homogênea, no que respeita às condições básicas de vida, e no mundo subdesenvolvido ela é cada vez mais heterogênea. Não surpreende, portanto, que esta época de grande enriquecimento da humanidade seja também de agravação da miséria de uma ampla maioria.

O avanço político, que é o mais difícil e importante de todos que logra o homem, faz-se aprendendo a administrar conflitos. Daí que só as sociedades democráticas o realizem com segurança. Trata-se de manter a sociedade aberta, num mundo de crescente interdependência, preservando e exercendo a capacidade de autogoverno. É um problema com mais incógnitas do que equações. Mas será que existe solução para todos os problemas que envolvem o destino dos homens?

Paris, dezembro de 1990

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